Bárbara Cocha

Postado por Babi Silva , sábado, 14 de novembro de 2009 03:20

Eu, Bárbara Regina Coelho Silva, estou fazendo meu intercâmbio em Cochabamba na Bolívia, desde o dia 14 de Setembro de 2009. Estou aqui há 60 dias e vou ficar até fins de Março de 2010, no mínimo.

Alguns amigos me chamam de Bá, outros de Babi, durante a infância de Binha, no trabalho, por vezes, sou reconhecida como Bárbara Coelho, Bárbara Silva ou simplesmente Bárbara.
Bárbara que possui lembranças. Lembranças de infância, adolescência, escola, faculdade, amigos, família, amores, trabalho...

Lembro-me docemente de minha infância, a incrível infância da década de 80. Quando brincava com meu irmão, amigos e primos. Quando imaginava que a sala de estar da minha casa era na verdade, uma imensa selva cheia de aventuras e fazíamos grandes barracas com o cobertor da mamãe. Lembro que brincava de casinha com os bonecos do “Comandos em Ação” dos meus primos. Lembro-me de passar 2, 3 noites em claro tentando zerar SONIC 2 e passávamos horas decifrando as passagens secretas e encontrando vidas extras. Lembro-me de acordar ouvindo a Xuxa cantar, “quem quer pão, quem quer pão” e tomar café com ela, que tinha bandejas cheias de frutas, sucos e croissants enquanto eu, tinha meu delicioso pãozinho com manteiga e café com leite. Lembro-me das músicas e danças do Trem da Alegria, Balão Mágico(ta, sou velha mesmo e daí?!), dos coleguinhas de escola, do castelinho mágico que meu pai fez e que meu irmão e eu pintamos e decoramos com toda alegria. De passar as férias lendo revistinha em quadrinhos da Turma da Mônica. Não me lembro muito bem como conheci minha primeira melhor amiga, a Lívia, mas lembro de muitas, muitas aventuras que vivemos, das nossas brigas, choros e sorrisos e das nossas tantas conversas que, hoje estão mais raras, porém tão especiais quanto antes.


Lembro-me com alegria da mudança da capital para o interior de Minas. A descoberta da natureza e como ela é tão barata, farta e saudável. Descobri que verduras e frutas não vêm dos supermercados e sim da terra. Descobri que poderia ter bichos de estimação e que não precisaria me limitar aos cachorrinhos doentes, que teimava em escolher no Mercado Central e que não duravam nem 15 dias. Tive coelhos, ramsters, porquinhos da Índia, galinhas, gansos, perus, patos, gatos e também cachorros de estimação. Lembro-me dos medos, descobertas, amizades, inseguranças, aventuras e mudanças da adolescência. O primeiro beijo, o primeiro namorado, a primeira “nossa música”. Lembro-me do retorno duro para a “cidade grande”. Dos novos amigos do colégio.  Depois o primeiro emprego, o primeiro chefe, o primeiro salário, o primeiro “bem” comprado com o próprio dinheiro. A faculdade, os amigos da faculdade, as aventuras e descobertas da faculdade.

 Lembro-me das coisas boas e ruins. Conheço bem a minha história, minhas experiências e estou acostumada a ter pessoas ao meu redor que as conhecem também. Conheço (até certo ponto) meus defeitos, minhas qualidades, meus limites. Será??? Bom, conheço o que julgo que conheço. Da mesma maneira que as pessoas que convivem comigo também julgam me conhecer e agem a partir desse conhecimento prévio da minha história e das experiências que viveram comigo.

E agora no intercâmbio?


Ninguém me conhece. Ninguém sabe minha historia, minhas lembranças, às vezes nem meu idioma. Minhas expressões tão comuns em “minha terra” e que explicam uma situação ou sentimento em poucas palavras, são incompreendidas, quando não são ignoradas, por aqui.

Há algum tempo venho analisando sobre o que é a experiência de intercâmbio e em uma conversa despretensiosa, enquanto caminhava pelas ruas de Buenos Aires com James e Laís, começamos expressar um pouco nossas profundas análises.

Intercâmbio é a oportunidade que temos de “nascer” de novo. Criar e experimentar um novo EU.  Não sou mais a Maria que sempre foi tímida, a Joana que sempre falou demais, o José que nunca tirou notas boas na escola ou o Renato reconhecido como o “chato” da turma.

Durante o intercâmbio, podemos experimentar uma nova maneira de ser, sem sermos julgados ou sem ter medo de sermos julgados. E assim, podemos encontrar o nosso verdadeiro EU que estava lá dentro escondido e que não saía por medo e/ou por pré-conceitos estabelecidos por nossos amigos, familiares e colegas. Também pode acontecer de percebemos que o nosso antigo EU, é realmente o EU verdadeiro e vai prevalecer onde quer que estejamos. Porém, é a chance que temos de experimentar novos EUs e isso torna o intercâmbio uma incrível experiência de auto-descoberta.

Ao mesmo tempo, passamos a viver a história e a cultura de outras pessoas.  Semana passada, durante uma festinha na casa de um amigo daqui, lá pelas tantas, todos começaram a lembrar das coisas boas de infância... Das músicas que todas as crianças gostavam, dos programas de TV, das personagens, desenhos, das brincadeiras tão comuns entre eles e tão novos pra mim.

Eu, Bárbara Silva, lá das Minas Gerais do Brasil, comecei a relembrar danças, músicas, brincadeiras e histórias que eu não vivi. Eu, Bárbara Silva, me transformei em Bárbara Cocha, com lembranças e histórias de uma infância que não são minhas.

Há Sessenta dias, viajei para o Exterior do Brasil e encontrei meu Interior. Hoje valorizo minha história e percebo como cada experiência foi importante para criar a Bárbara que sou hoje. Porém, agora também me permito mesclar meu EU com outros EUs, com outras histórias e culturas.  A Bárbara com toda sua essência e valores continua lá, mas agora o sobrenome Cochabamba virá agregando, não só conhecimento, mas experiências e descobertas da Bárbara em outra cultura.

Um intercâmbio muda pensamentos, conceitos, planos, projetos e às vezes, até sobrenome, que pode não ser o oficial no passaporte ou RG, mas é o mais verdadeiro no momento.

Carinhosamente,
Bárbara Cocha


Foto tirada no meu Trainee Shower.Como um chá de Bebê, mas feito para intercâmbistas. Afinal, nem tudo dá para trazer na mala né.

Tempestade no La Plata

Postado por Babi Silva , terça-feira, 3 de novembro de 2009 03:26



Um gato preto cruzou o nosso caminho, quando estávamos indo em direção ao Buque (tipo de barco) que iria cruzar o Rio La Plata e nos levar de volta à Buenos Aires. Não sou supersticiosa, mas a maneira como, de repente, do nada, num lugar como aquele, aparece um gato completamente negro e cruza nosso caminho, unido ao grito de espanto de algumas pessoas, fez com que temores cruzassem meus pensamentos. Claro que pouco tempo depois, com a empolgação em ficar relembrando as boas surpresas da viagem, logo todos esqueceram o episódio do gato.

Quando chegamos ao barco, o tempo começou a virar. Embarcamos em meio à ventos fortes e trovoadas, ainda não chovia. Enquanto esperávamos o barco sair, nos divertíamos relembrando historias, contando causos e conversando. De repente, o capitão pede atenção e explica que, por causa da tempestade, poderíamos ter que passar a noite no barco, ele disse que esperaria mais 2 horas para ver se a tempestade melhorava. A galera adorou a possibilidade de passar a noite no barco. A partir daí, o barco se tornou nossa casa. 
A Natalia, presidente eleita da AIESEC BH para a gestão 2010, aproveitou para ensinar aos membros um pouco mais sobre Branding Experience da AIESEC. Tati pegou a câmera de Marcelo e começou a fazer um videozinho sobre nosso momento tenso/ansioso de esperar pra ver o que acontecia.Eu e Olivia aproveitamos para assistir o filme que estava passando. O filme me inspirou e peguei o meu diário de viagem para escrever um pouco.

Algum tempo depois, o barco liga o motor e se prepara pra sair.

Perai, a tempestade ainda não passou? Tá doido, capitão?! A tempestade ainda ta muito forte! Todos se entreolharam assustados e voltaram aos seus lugares. Um dos meninos grita: “Ai, o gato preto!!! Agora estamos ferrados!” A partir daí começou uma das viagens mais emocionantes da minha vida.
Para tentar relaxar, continuei escrevendo em meu diário todas as emoções e  percepções do momento. Abaixo minhas palavras:

Chove lá fora. Estamos presos no barco esperando a tempestade passar.

Está passando o filme, “Antes de Partir”. Nossa, não teria título melhor para um momento como esse... Antes de partir: Dois homens com câncer terminal decidem viajar pelo mundo, realizando os últimos desejos de sua vida. Viajar pelo mundo fazendo tudo que sempre quiseram. O que eu busco em meu intercâmbio? Porque estou aqui agora, tão longe de casa? Será o desejo de conhecer o mundo realizando todos os meus sonhos? Quantos sonhos...

Amanhã meu vôo de volta pra Bolívia sai às 8:00 da manhã. Se ficar a noite toda aqui no barco irei perdê-lo e serei obrigada há ficar mais tempo na Argentina. Será um aviso do destino? Talvez a oportunidade de viver um pouco mais Buenos Aires e conhecer lugares que ainda não conheci...
O barco liga o motor em sinal de que vai sair, mesmo com o tempo muito ruim.

Ai o gato preto... ele não sai da minha cabeça...
As comissárias de bordo começam a distribuir saquinhos de vômito para todos os passageiros. Todos, com olhares apreensivos pegam 1,2, 3 saquinhos, já prevendo o que poderia vir.
O barco começa a navegar. Um burburinho forte começa. Olho para os lados e o que vejo são olhares apreensivos. TODOS, não importa de onde vêm, sua historia, se são amigos ou desconhecidos. Todos comungam um mesmo olhar.

Uma turma de jovens mulheres conversam animadas, com risadas nervosas, tentando espantar o medo. Uma das comissárias sorri e diz a elas: Isso, mantenham o humor, vai dar tudo certo.

Olho pra TV e o  filme está parado. Cena paralisada do filme: Morgan Freeman (um dos homens com câncer) está deitado na cama do hospital com a mão estendida para Jack Nicholson (o amigo que também tem câncer). Os dois estão na mesma situação e mesmo assim, ele estende o braço em sinal de socorro e pedindo apoio ao amigo. Nós estamos no mesmo barco, com olhares apreensivos como que pedindo apoio uns aos outros.

A luz apaga, burburinhos aumentam, a luz acende... O barco balança muito, não dá pra ficar de pé...
Tati grita tentando animar a galera: Natália, você não queria uma montanha russa? Aí está!
Natália nem se move. Está com os olhos fechados desde que saímos. Como quem fecha o olho na Montanha Russa querendo que a brincadeira acabe logo.

Já temos uns 20 minutos de viagem. Um dos passageiros pergunta: Por que o filme parou?
O barco continua balançando muito. Olho para os lados e agora todos estão de olhos fechados.
Depois de tanto reclamar, o senhor tem seu filme de volta. Porém, ele está começando de novo.

Queria que fosse dia pra poder ver as ondas batendo contra o barco. Será uma imagem bonita?
Agradeço a Deus por ser noite e só sentir as ondas batendo contra o barco. Dá pra sentir as ondas batendo nas janelas bem ao nosso lado.  Acho que não iria gostar de ver essa cena...

Estou tremendo. Não sei se de medo ou se por causa do ar que ficou mais frio.
Pergunto a um dos comissários e ele diz que é para que as pessoas não passem mal...
Não passem mal? Como assim? Olho novamente para os lados e muitos já estão passando mal... o burburinho está diminuindo... Mas o balanço continua forte.

Já se passaram uns 50 min. Fui até o banco próximo de alguns dos meninos pra ver como estavam. Todos de olhos fechados. Matheus tenta se distrair conversando com a Tati. Muitos dos outros já passaram mal e a cada minuto mais um passa mal.
Quando começam a se sentir mal levantam a mão e o comissário logo trás um lenço úmido e coloca na testa. Marinninha pergunta pra que serve. Não sei, respondo, mas deve servir de algo, pois todos estão fazendo o mesmo.

Olho novamente para os lados e agora vejo a maioria dos passageiros com o lenço umedecido na testa. Lenços brancos. Como se fosse um pedido de desistência, uma bandeira branca pedindo rendição. Pedindo clemência e paz ao Deus Netuno.
Deus Netuno está mesmo furioso e continuamos a turbulenta viagem.

Agora o burburinho dá lugar ao silêncio. Só ouvimos o motor do barco, as respirações ofegantes em meio à pessoas passando mal.

Mais algum tempo, talvez 30 min, 1 hora. Não sei ao certo... O barco começa a diminuir a velocidade...

Todos levantam as cabeças tentando, em vão, ver além da escuridão das janelas. Os comissários sorriem satisfeitos. Chegamos.